sábado, 26 de fevereiro de 2011

Os Catadores da necessidade

No Bairro de Fazenda Grande II, às 13h, Reginaldo Fagundes retira os materiais recicláveis de uma lixeira pública, em mais um dia de trabalho. Na sua frente, uma sacola de náilon com garrafas Pet, latinha, papelão, vaso de desodorante. “Já fiz oito sacos desse, desde 5h da manhã”, diz Reginaldo.
A gente se arrisca trabalhando sem luva, porque com ela os objetos deslizam e fica ruim para pegar, ele diz, apontando para dois catadores que se aproximam, também sem usar luva, e logo confirma o que Reginaldo havia dito.
A atividade dos catadores é responsável pelos altos índices de reciclagem no Brasil e surge principalmente pelo desemprego e exclusão social. Isso confronta com a idéia de um desenvolvimento que una sociedade, meio ambiente e economia de maneira sustentável e includente.
“Eles estão desamparados socialmente, há uma discriminação muito grande com eles”, afirma Damião Eloi do Bonfim, dono de um estabelecimento que compra material reciclável, conhecido popularmente como “ferro velho”.

Necessidade de organização
“O estado de direito só reconhece movimentos verdadeiramente ativos quando existem números de pessoas”, diz Damião Eloi, que trabalha há sete anos com reciclagem. Um governo ainda insensato nessa questão, e a falta de organização e reivindicação dos catadores na Bahia, não atingem os órgãos públicos de maneira mais efetiva, acrescenta.
Segundo a gerente de ações da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), Iara Fagundes, às vezes o catador que está em situação de lixão, por exemplo, não consegue enxergar a necessidade de se organizar e sair daquela condição de risco, pois existe uma riqueza de material a sua disposição, e também a renda deles pode cair um pouco.
Damião é um tanto pessimista em relação ao cooperativismo: “muitas cooperativas no mercado são certas, mas outras são picaretas”, comenta. Além disso, a possibilidade de capacitação para um catador alcançar um cargo administrativo na cooperativa é pequena. Ele pensa em uma negociação real entre prefeitura, catadores e recicladores.
Damião Eloi defende a possibilidade de investimento em toda a cadeia da reciclagem, com o dinheiro que a prefeitura economiza na limpeza urbana. Ceder espaço para favorecer o trabalho, investir em consciência ambiental, além disso, proporcionar financiamento em longo prazo. No entanto, alguns catadores preferem a cooperativa, já que existem incentivos mínimos do governo e o salário é garantido.
A Cooperativa Canore - Catadores da Nova República, localizada em Santa Cruz, Nordeste de Amaralina, foi inaugurada em 29 de dezembro de 2006. Possui um galpão, onde os materiais estão dispostos para serem separados e prensados. Depois são levados para a fábrica de reciclagem Penha, em Porto Seco de Pirajá, explica a catadora Ana Cristina Barbosa, 24 anos.
Apesar da tentativa de conscientização no local, ainda não existe a separação do material reciclável, por parte da maioria das pessoas e Raquel Mendes, também catadora da cooperativa, diz que alguns moradores separam e outros colocam tudo misturado.
Atualmente há 20 pessoas na cooperativa Canore, que trabalham na busca de material reciclável. O lucro é dividido igualmente entre eles, numa renda de R$ 300 a R$ 450 reais por mês para cada um. Sobre a vantagem de trabalhar em uma cooperativa, Raquel, 56 anos sintetiza: “a união faz a força”. Ela fala que a participação da prefeitura, na Cooperativa Canore se refere à distribuição de farda completa, luvas, botas e de caminhão uma vez por semana, para transportar os resíduos.

Trabalhador autônomo
Jandira Nascimento, 53 anos, não tem vínculo com cooperativa. “Eu prefiro vender o meu material sozinha. Uns dá sangue e outros não, pra querer dividir no meio, não dá”, ela explica.
Começou aos 40 anos catando latinha, atualmente recolhe garrafas pet, latas, ferro, papelão, saco plástico. Quanto às condições de trabalho ela diz que não usa luva, pois teria que comprar. Sapato usa só no inverno, por causa do risco de contaminação com a urina de rato.
Jandira também fala da discriminação que sofre: “Muita gente fala, lixeira tá catando lixo, eu digo não, tô reciclando, o lixo vai para o carro da prefeitura levar”. Ela recolhe material todos os dias, geralmente das 6h da manhã até as 14h, depois leva ao “ferro velho”, onde separa tudo para pesar e receber o dinheiro.
Reginaldo Fagundes da Silva, 35 anos, trabalha há oito anos como catador. “Já fiz diversas coisas e não consegui o que estava querendo”, comenta Reginaldo. Ele diz que vendia frutas, mas foi repreendido pela fiscalização. Também trabalhou de carteira assinada num frigorífico, durante cinco anos.
Reginaldo conta que o dinheiro dele só dava para comprar comida e roupa, “nunca consegui colocar um móvel dentro de casa, trabalhando para os outros, agora eu tenho geladeira, fogão, DVD”. Ele continua dizendo que não sabe ler e não pensa em fazer outra atividade, pois ganharia pouco, no entanto, sendo catador consegue mais de um salário.
Em relação às cooperativas de catadores, Reginaldo explica: “Pra mim é desvantagem, se eu achar uma coisa de valor tem que dá, teve gente que entrou e saiu porque não era lucro”. Ele esclarece que ganha mais trabalhando sozinho, porém se fosse de carteira assinada ele participaria de uma cooperativa.
O governo deveria fazer um cadastro dos catadores para dar pelo menos uma cesta básica todo mês, defende Reginaldo, além disso, dar um galpão para armazenar os materiais recicláveis recolhidos. “Se fosse assim, já ajudaria muitas pessoas”, conclui.
“Estou querendo fazer minha casinha, que Deus a de me ajudar”, essa é uma das pretensões de Reginaldo. Ele é casado, e sonha em dar estudo e um futuro melhor aos seus seis filhos.

Ações do governo
De acordo com a gerente de ações da Setre, Iara Fagundes, a Secretaria do Trabalho tem uma ação de apoio aos catadores, organizados em grupos - cooperativas e associações. Essas ações dispõem de determinado valor para qualificação, capacitação e compra de equipamentos e fardamentos para os catadores, além de material de divulgação sobre a reciclagem.
Em relação ao trabalho individual não existem ações permanentes. Ela diz: “A única que pode atender ao catador avulso – individual, é a ação nos lixões”, local difícil de encontrar um grupo que trabalha coletivamente. Então, a proposta é fomentar essa união associativa e melhorar suas condições de trabalho.
Iara explica que existe um projeto no carnaval, onde os catadores avulsos se cadastram em postos de apoios geridos pelas cooperativas. Recebem fardamento, crachá, alimentação e água, depois vendem as latinhas para as cooperativas. “Ali eles vão vender a um valor mais justo do que o preço dado pelos atravessadores – recicladores, que também estão no circuito”, completa Iara.
O trabalho dos catadores não tem um projeto de regularização. Há dificuldade em discutir isso com a prefeitura, adverte Iara. Esse é um público difícil, não se sabe quem realmente é catador sempre, nas cooperativas as pessoas entram e saem, pela dificuldade da renda, ela completa.

Ciclo da reciclagem
Há um ciclo muito grande no processo de reciclagem, comenta Damião, onde o próprio catador não tem a possibilidade de juntar o bastante para vender diretamente às indústrias que compram por toneladas, pois necessitam do dinheiro diariamente.
Portanto, tem os recicladores que são chamados de atravessadores, mas que na verdade participam dessa necessidade de fatiamento do mercado. O catador autônomo e o reciclador (aquele que compra o material reciclável) tem uma dependência mútua.
O fato do trabalho do catador ainda ser precarizado, remete a uma necessidade: “montar um conselho, porque nós não estamos em sociedade organizada pra poder cobrar nossos direitos”, ressalta Damião, e exigir uma política articulada entre município, estado e os catadores, como propõe Iara.
Independente da forma como executa seu trabalho, individualmente ou através de cooperativas, os catadores de resíduos sólidos são imprescindíveis para manter o consumo de maneira sustentável. O poder público também tem benefícios, entre eles o aumento da vida útil dos aterros.
O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) ressalta: “Lutamos pela autogestão de nosso trabalho e o controle da cadeia produtiva de reciclagem, garantindo que o serviço que nós realizamos não seja utilizado em beneficio de alguns poucos (os exploradores), mas que sirva a todos”.