terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Celebridades

Na opinião do escritor Douglas Kellner, “o espetáculo da mídia é, realmente, um culto à celebridade, que proporciona os principais padrões e ícones da moda, do visual e da personalidade”. No filme Celebridades de Woody Allen, isso é notável na apresentação dos personagens e no desenrolar da história, que além de tudo traduz os anseios de uma sociedade.
As figuras centrais, Lee Simon (Kenneth Branagh), jornalista que sonha escrever um livro e sua pacata esposa Robin (Judy Davis), traçam uma crise, que é na verdade o rompimento com a simplicidade do casamento, oposto às badalações de uma vida recheada de holofotes e espetáculos. O personagem de Branagh encontra-se em crise no casamento e consigo mesmo, então decide se separar da esposa e buscar novas experiências.
A partir desse momento Lee é totalmente fisgado pelo irresistível mundo da fama. Tem relações curtas e inconstantes com uma atriz, uma top model e com uma jovem e bela atriz iniciante, de princípios bem liberais. Enquanto isso, sua ex-mulher constrói laços sólidos, tanto amorosos quanto profissionais; passando a conviver com o glamour dos ambientes mais sofisticados.
Entre festas, badalações e famosidades, Lee Simon tenta terminar de escrever seu livro. Porém, vê novamente o sonho indo embora, junto com as páginas do caderno onde escrevia sua história, jogadas ao mar pelas mãos de mais uma mulher que ele deixa de lado, para viver aspirações com a jovem atriz.
Depois de tentar aproximações com escritores, famosos e artistas para promover um livro inacabado, Lee se encontra num pedido abafado e angustiante por socorro. Sozinho e sem fama, logo percebe que o show acabou antes mesmo de começar, não teve triunfo, nem glória.
Woody Allen apresenta de maneira irreverente e fatídica, uma realidade onde muitos não terão nem mesmo aqueles 15 minutos de fama, apesar dos inúmeros sucessos instantâneos surgidos diariamente. Já que a notoriedade não vem para todos, e nem todos querem a fama, então Allen recomenda; acostume-se com o que tem, ou continue tentando.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Arte e acessibilidade na Biblioteca Pública do Estado da Bahia

           Em comemoração ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência - 21/09, a Biblioteca Pública do Estado da Bahia promoveu no mês de setembro, uma programação aberta ao público e voltada para a acessibilidade. No dia 12 a partir das 11h, houve apresentação de pessoas com deficiência visual: o cantor Marcos Welby e o grupo de teatro Noz Cego.
          Com um repertório romântico e variado, o mestre em música pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Marcos Welby, fez uma apresentação de voz e violão. Ele contou que começou a tocar violão, desde os 14 anos, e após ingressar na Universidade enxergou a música como profissão. Ele também é professor e durante quatro anos deu aulas na Uneb, para o curso de fonoaudiologia.
          Marcos Welby apresenta-se em vários lugares do Brasil e tem dois CDs lançados. O primeiro em 2005 no Teatro Vila Velha, intitulado Não é só um sonho, o segundo Dono de Mim, em 2009, com participação da cantora Mariene de Castro. Considerando o poder de socialização da música, ao cantar junto, dançar, proporcionar alegria e esperança, o músico contou que é levado pela energia das pessoas: “Então eu começo de um jeito e termino de outro, eu começo sozinho e termino com público”.
           O Coordenador das ações culturais da biblioteca pública, Lucas Souza, ressaltou que o setor braille da biblioteca sempre desenvolveu atividades, voltadas principalmente para o público cego. Porém, com a criação recente de uma comissão, da qual a biblioteca faz parte, feita pelo Governo do Estado, houve a possibilidade de abrir espaço, para eventos direcionados a pessoas com outras deficiências.
           “Além de toda conscientização e educação, as ações culturais também mostram que pessoas com deficiência são produtoras de cultura, produz arte e tem o que mostrar”, comentou Lucas. A atriz Rosana Santos do grupo de teatro Noz Cego também enfatizou: “Quando o público vê o cego entrar sem bengala no palco, ele fica meio perdido, porque tem o preconceito, quando o cego está sem bengala ele está perdido, e se encontra justamente fazendo arte”.
           As palavras de Rosana se confirmam na percepção do público. Fábio, metalúrgico do complexo Ford disse que a apresentação superou suas expectativas, ele pensou que o tema da peça As Avessas, seria mais voltado à cegueira, porém os atores mostraram situações cotidianas, comuns a todos. “Tem um trocadilho bem feito, foi bem montada, como se estivessem visualizando um ao outro, achei bem interessante”, comentou Fábio.
           O diretor do grupo Noz Cego, Edielson, Licenciado em Teatro pela Ufba, fez sua monografia voltada para os deficientes visuais. Ao conhecer o grupo que já existia há dois anos, Edielson passou a experimentar novas técnicas, as quais davam maior liberdade ao corpo dos atores, deixando de lado as bengalas que antes faziam parte das apresentações.
           “O maior ganho é eles levantarem a idéia de que são atores em primeiro lugar e em último, que tem uma deficiência”, destaca Edielson e continua: “A maior inclusão é saber que os deficientes estão em cena e os videntes é que estão os assistindo”.
           A peça As avessas é formada por pessoas com cegueira total, baixa visão e monocular (enxerga apenas por um olho), explicou o diretor. Já tiveram em palcos de Salvador, Aracajú no Festival de Arte inclusiva, em 2008 e 2010, também na Paraíba, em 2009 no mesmo festival. São quatro anos com mais de cinqüenta apresentações. É um grupo que cobra pelas suas apresentações, dando uma característica mais profissional ao grupo, concluiu Edielson.
          Rosana, ou simplesmente Zanna Santos, como gosta de ser chamada, falou que deu início ao texto da peça As Avessas, inspirada no conto de Chapeuzinho Vermelho, daí se desenvolveu várias temáticas a partir da releitura de histórias infantis, com opinião e criatividade de todos. Ela dá continuidade ao seu trabalho artístico, escrevendo contos, crônicas e poesias no seu blog.
          A música proporciona alegria, como pontuou o cantor Marcos Welby. O teatro pode renovar esperanças perdidas, enfatizou Rosana, ao contar sobre a perda da visão de um olho, após um problema de saúde: “O mundo tinha acabado, mas quando me aliei aos deficientes visuais e formou-se o Noz Cego, o mundo só fez começar”.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A biblioteca como um espaço de sociabilização

          Na tarde de terça-feira (14-09), Silvania Macedo prepara mais uma aula para seus alunos. Ela é professora de História, formada em Licenciatura e Bacharelado pela Universidade Católica de Salvador e, desde a perda da visão na adolescência, tem utilizado o setor braille da Biblioteca Pública do Estado da Bahia. Silvania tem auxílio de pessoas que fazem um trabalho voluntário de leitura para deficientes visuais, (os ledores), como Elza Araújo - Voluntária há quatro anos.
           Depois de uma infecção no sangue, Silvania foi perdendo a visão gradativamente. Ela explica que aprendeu o braille quando ainda enxergava, pois a leitura já não era possível. Parou de estudar aos 15 e retornou sete anos depois, para concluir o ensino médio e ingressar na faculdade.
           Na Escola Leila Rubens Fonseca, onde dá aulas à oitava série e ao ensino médio, Silvania pratica um ponto chave da sua monografia, o qual reforça que a pessoa cega não deve esconder que tem uma limitação. “Então ao chegar na sala você vai se comportar, não de forma que seus alunos tenham pena de você, mas de forma que eles saibam que você tem uma limitação e precisam compreender e conviver com essa diferença”, ressalta.
           Sua rotina escolar se desenvolve com aula expositiva, filmes, música, painel com gravuras e frases dos alunos. Faz chamada, pois copiou o nome deles em braile e eles passam uma lista de presença todo dia. “Claro que tem lá as fraudes na freqüência, isso é inevitável”, brinca a professora.
            Nos dias de avaliação tem uma coordenadora que fica na sala, mas Silvania já faz a atividade com consulta: “Eles podem consultar livro, caderno e até o colega, mas não copiem, porque a cópia vai ser anulada”. Silvania com desprendimento reproduz a frase dita aos estudantes e pontua, que para a surpresa dela, os alunos tiveram um avanço muito bom. “Você precisa ter um jogo de cintura, não adianta querer impor determinadas coisas, porque não vai pegar, ainda mais com adolescente”, conclui.
           Elza Araújo, Secretária executiva e professora de português aposentada, faz parte do Grupo de Voluntários de Ledores e Copistas para Cegos. Ela enfatiza: “Eles precisam da minha voz como se fosse os olhos, é um prazer tão grande que não tem contra-cheque que pague”. Além da diversidade do trabalho, das diferentes leituras e a interação entre usuários e voluntários, comenta Elza.
           O setor braile da biblioteca existe desde 1970 e atende atualmente entre 10 a 15 pessoas por dia, com quatro funcionários no atendimento geral, explica Patrícia Silva, formada em Letras e especializada em Educação Especial. Ela é a única funcionária que faz um atendimento mais pedagógico, na adaptação de livros e textos em formato braile e digital acessível (falados), da própria biblioteca ou levados pelos usuários do setor, pois ainda não existe um quadro de funcionários da área de educação para dar esse suporte.
            Além de tradução de textos para o braile, o público de jovens, adultos, estudantes e profissionais, que freqüentam o local, conta com aproximadamente 30 voluntários ledores, que se alternam em turnos e dias, de acordo com a disponibilidade, ajudando em pesquisas, digitação e formatação de textos, comenta Patrícia Silva e completa: “Pode vir alguém aqui tanto para ler um romance, como para ler a conta de luz dele, porque não tem ninguém em casa”.
           Patrícia diz que o setor passou por uma reforma recente, pois o acervo estava bem ultrapassado; mais de seis mil livros, que não acompanhavam a grafia braille atual, unificada entre os países. Então o trabalho de reposição é mais demorado, por ser artesanal e não existir gráficas apropriadas disponíveis em Salvador, explica Patrícia: “Existe o Instituto de Cegos, que atende os alunos gratuitamente, e cobra do público externo, para fazer transcrições braille com fins comerciais, e o Cape - Centro de Apoio Pedagógico para os alunos matriculados na instituição”. No entanto, ela admite que não faltam colaboradores, como Ricardo Guimarães, mestre em artes visuais pela Ufba.
           Depois de 30 anos de existência do setor, foi produzido o primeiro livro em braille da Biblioteca Pública, com autoria de Ricardo Guimarães, que não tem cegueira, mas sempre teve curiosidade e vontade de participar mais ativamente da vida dos deficientes visuais, e se perguntava: “Será que as pessoas que não enxergam vão gostar do que eu escrevo?”. Antes do livro ele já tinha feito uma exposição, em novembro de 2009, contemplando a acessibilidade com áudio-descrição de imagens e performances.
           Ricardo relata o processo de produção do livro e destaca a presença de Patrícia como fundamental, para ele se familiarizar com as questões relacionadas à deficiência visual e entender os recursos necessários para transformar seu livro de poesias em linguagem braille. O livro teve 20 volumes, dois ficaram na biblioteca e os outros foram distribuídos gratuitamente. Ele conta que esse processo melhorou sua escrita e visão para todas as coisas.
           “Independente das barreiras, vale a pena toda adversidade, porque tudo se volta para que a gente fique em casa, o deficiente, o idoso, o doente, porque é feio, dá trabalho”, diz Silvania e enfatiza o valor da sociabilização, a qual atribui o prazer da convivência, como o que ocorre entre cegos e ledores.
           Elza foi afastada da função de professora devido a um câncer de tireóide, porém isso não resultou em desânimo pela vida, mas sim em solidariedade, com Silvania e todos que a procuram para as mais diversas leituras e situações. “Eu acho que vale muito a pena você desfocar a incapacidade e potencializar a capacidade que ainda se tem, de qualquer modo a gente ainda pode ajudar o outro com a capacidade que sobrou”, conclui Elza.
           Silvania fala a respeito da solidariedade de seus alunos e ela não proíbe que eles sejam prestativos. A professora explica que às vezes uma pessoa quer ajudar, mas aquele que vai receber ajuda se coloca de tal forma, como se não precisasse e o outro até se constrange, e acrescenta: “A solidariedade é algo que parece estar acabando, então quando você ver isso em alguém deixe fluir, deixe sair, deixe contaminar”.

Conflito de Momento

Em mais um daqueles dias banais, ao entrar no ônibus e sentar-me numa cadeira próxima ao cobrador, pude ouvir a voz rouca de um homem, vinda da parte de trás, dizendo palavras desencontradas, até que finalmente foi possível ouvir o que ele dizia:

- Minha mulher todo domingo me chama pra ir na igreja mas...

Logo percebi no esforço de seu discurso, que o cidadão estava um pouco alcoolizado - bêbado mesmo, conversando sozinho e compartilhando a sua vida para todos os ilustres desconhecidos. E ele continuava:

- Como posso eu deixar de tomar minha cervejinha com os amigos para me enfurnar numa igreja, ah não, final de semana é diversão... Parou novamente no que parecia ser um cochilo, e de súbito, o homem desperta e retoma a conversa.

- Mas bem que a minha mulher também tem razão. Deus é bom! Sabe, outro dia mesmo, eu estava com uma dor de cabeça danada, (relata o homem com uma expressão profunda e dolorida), rezei por tudo que é mais sagrado e a dor passou. Agradeci tanto a Deus!

Agora veja o que tudo isso me lembrou: o homem barroco, lá do século XVII e XVIII, sei lá, aquele ser dividido entre o bem e o mal e cheio de conflitos. E novamente, a voz daquele cidadão corta meus pensamentos e me chama atenção:

- Eu sei que não sou mais garoto e qualquer dia a morte vai chegar pra mim, afinal todo mundo morre... Não é mesmo? (ele se esforça para completar a frase). Por isso, eu penso nos meus filhos e na minha mulher, também. Eu não quero deixar eles aí à toa na vida... Eu me mato de trabalhar, mas o dinheiro não dá para tudo, por isso eu tenho que aproveitar, enquanto é tempo.

- Minha mulher também é feliz do jeito dela com a sua religião. Quem sabe, um dia, eu me junto a ela, sei não!

Mais uma vez, me vem à mente aquele contexto barroco. Triste homem barroco. Triste de nós! Afinal, independente da época meu caro leitor, estamos em constante conflito, dúvidas que permeiam nossa mente, corpo e razão.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Buena Vista Social Club

           Reconhecido e premiado mundialmente, Buena Vista Social Club é um documentário do cineasta Wim Wenders, que revela a musicalidade tradicional esquecida nas ruas de Havana, e a valorização de uma cultura riquíssima e envolvente pela naturalidade de seu povo.
           Após a idéia do guitarrista americano Ry Cooder com o músico cubano Juan de Marcos González, os quais reuniram músicos tradicionais cubanos e produziram um disco de sucesso surpreendente (Buena Vista Social Club), Wenders passa a documentar as apresentações do grupo, primeiramente em Amsterdam e depois em Nova York.           
           A narrativa de Wenders, a princípio parece monótona. Mas, apresenta sua graciosidade em detalhes: no cotidiano dos moradores de Havana, numa delicada exposição de músicos como o pianista Rubén González, a cantora Omara Portuondo, o trompetista Manuel Mirabal e nas performances da orquestra, embalada pela simpatia notável do cantor Ibrahim Ferrer.      
          Ibrahim mostra a simplicidade da casa onde vive e as suas curiosidades religiosas, traduzindo a mesma fé pelas raízes da música cubana. Ele e os músicos que agitavam um Clube, até a década de 40 quando foi fechado, inspirando 50 anos depois o encontro dessa “velha guarda”, não desapareceram pelo caminho comercial da música.           
          Em primeiro de julho de 1998, Nova York recebe e aplaude a Buena Vista Social Club, na casa de show Carnegie Hall. Esse encontro de culturas é o destaque final do documentário. Admirando bonecos de personalidades famosas, através da vitrine de uma loja, os músicos da socialista Cuba, parecem esquecer que naquele momento, eles são as estrelas.

quinta-feira, 6 de maio de 2010